Breve Catequese Católica

Por José Ibiapina

Nesta Quinta-Feira Santa, na qual os católicos celebram a presença real de Jesus na Eucaristia, é interessante perguntar: quais os fundamentos dessa fé? Tal pergunta é razoável, uma vez que, embora católicos (romanos ou orientais) e ortodoxos creiam há séculos nisso, há denominações cristãs, surgidas após à Reforma Protestante, que creem que Jesus nos deixou a ceia como ordenança, não como sacramento, sendo uma celebração meramente simbólica.

Primeiramente, é importante salientar, que a fé na presença real de Jesus nas espécies consagradas (pão e vinho), vem desde os Pais da Igreja (os cristãos primitivos). 

É o caso, por exemplo, de Clemente I, que pastoreou a Igreja primitiva de Roma, conviveu com os apóstolos e viveu, aproximadamente, de 35 a 100 D.C., mais de 200 anos antes do Imperador Constantino, para ficar fora de suspeita. Diz Clemente, em carta à Comunidade de Corinto: “Talvez digas: Não vejo aparência de sangue. Mas há o sinal. Aprendeste, portanto, que aquilo que recebes é o Corpo de Cristo. O próprio Cristo testemunho-nos que recebemos seu corpo e sangue. Por acaso, devemos duvidar da fidelidade do seu testemunho?”.

Irineu de Lyon, por seu turno, que viveu, aproximadamente, de 130 a 202 D.C., mais de 100 anos antes de Constantino, escreveu: “Nele temos a remissão por seu sangue, e a remissão dos pecados. Por sermos seus membros, somos nutridos por meio da matéria criada, RECONHECENDO COMO SEU PRÓPRIO SANGUE O CÁLICE, tirado da natureza criada com o qual fortifica o nosso sangue; e PROCLAMOU SEU CORPO NO PÃO, de onde fortifica nossos corpos. Os nossos corpos, alimentados por esta Eucaristia, ressuscitarão no seu tempo. (Santo Irineu de Lyon. Adversus Hereses, Livro V)”.

Como estes testemunhos, existem tantos outros de cristãos primitivos. Mas a Bíblia, o que diz?

Primeiramente, é preciso saber que memória é toda capacidade de conservar mentalmente informações e dados sobre pessoas, fatos ou circunstâncias. É um testemunho daquilo que aconteceu no passado e não existe no tempo real (memória póstuma) ou daquilo que aconteceu e continua a acontecer na atualidade (memória em movimento). Por exemplo: memória póstuma ocorre quando lembramos de um ente falecido; memória em movimento ocorre quando comemoramos nosso aniversário, lembramos do nascimento que ocorreu no passado, mas continua a se projetar para o futuro, pois estamos vivos. 

Para memória póstuma, o grego koiné, idioma originário do Novo Testamento, utiliza a palavra mneuma (μνημόσυνον). Jesus utiliza esse termo em Mt 26, 12-13: “Derramando esse perfume em meu Corpo ela fez em vista da minha sepultura. Em verdade eu vos digo: Em toda parte onde for pregado este Evangelho pelo mundo inteiro, SERÁ CONTADO EM SUA MEMÓRIA O QUE ELA FEZ.” Em grego: “ἀμὴν λέγω ὑμῖν, ὅπου ἐὰν κηρυχθῇ τὸ εὐαγγέλιον τοῦτο ἐν ὅλῳ τῶ κόσμῳ,λαληθήσεται καὶ ὃ ἐποίησεν αὕτη εἰς μνημόσυνον αὐτῆς”.

Já para a memória em movimento, o grego koiné utiliza anamnésis (ἀνάμνησιν), que implica memorar uma realidade atual daquilo que é real, acessível e palpável, cuja existência independente de sua própria memória. No episódio da ceia Jesus não utiliza mneuma (memória póstuma), mas sim anamnésis (memória em movimento). Consta em São Lucas 22.19 : “Tomou em seguida o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: ISTO É O MEU CORPO, que é dado por vós; fazei isto em MEMÓRIA DE MIM.” Em grego: ““καὶ λαβὼν ἄρτον εὐχαριστήσας ἔκλασεν καὶ ἔδωκεν αὐτοῖς λέγων, τοῦτό ἐστιν τὸσῶμά μου τὸ ὑπὲρ ὑμῶν διδόμενον· τοῦτο ποιεῖτε εἰς τὴν ἐμὴν ἀνάμνησιν“. Ao utilizar anamnésis, o evangelista quer deixar claro que a Santa Ceia não é um fato encerrado, em relação ao qual memoramos apenas simbolicamente, mas sim um fato contínuo, que se projeta no futuro e se renova, quando sacerdotes consagram o pão e o vinho. Tal compreensão revela o cumprimento da profecia contida em Êxodo 29.42: “Este será o holocausto contínuo por vossas gerações, à porta da tenda da congregação, perante o SENHOR, onde vos encontrarei, para falar contigo ali”.

Essa realidade é confirmada pelas falas do próprio Jesus, no capítulo 6 do Evangelho segundo João. A palavra phago (que significa “comer” ou “consumir”) é usada nove vezes no texto original em grego de João 6:23-53, quando Jesus refere-se a Si mesmo como “Pão da Vida” que deveria ser comido. Contudo, após os judeus terem expresso a sua descrença na ideia de que Jesus queria dizer tal coisa, lemos (em João 6:54) que Jesus passou a usar uma palavra ainda mais forte, trogo, que significa mastigar, comer em um sentido literal, utilizada também em Mateus 24:38 e em João 13:18. Consta em João 6, 54-56: “Todo aquele que comer [trogo] a minha carne e beber o meu sangue tem vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e meu sangue é verdadeira bebida. Aquele que come [trogo] a minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e Eu nele.”

Ao utilizar a palavra trogo, o evangelista quer deixar claro que Jesus fala de comer literalmente, assim como na última ceia disse literalmente “Isto é Meu Corpo”, em vez de “Isto simboliza meu corpo”. Prova disso é que, muitos discípulos não quiseram aceitar as palavras de Jesus, pois eram muito fortes: “Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Sabendo, pois, Jesus em si mesmo que os seus discípulos murmuravam disto, disse-lhes: Isto escandaliza-vos? (…) Desde então muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele.”  (João 6:60-61, 66). Ora, sempre que Jesus falava por metáforas, posteriormente, esclarecia aos discípulos o que significava a linguagem figurada. Em João 6, Jesus não presta tais esclarecimentos, mesmo que os discípulos o abandonem, pois não havia o que esclarecer: Ele falava literalmente.

Confirmando tal ensinamento, é que São Paulo esclarece que ofensa contra o pão e o vinho da ceia é ofensa contra o corpo e o sangue de Jesus, e não a uma memória passada: “Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será CULPADO DO CORPO E DO SANGUE do Senhor.” (I Corintios 11, 27). Ora, para ser réu contra o Corpo e o Sangue, há de haver Corpo e Sangue como realidades num memorial presencial, e não como lembrança em memorial póstumo de um fato já cessado no tempo.

Ademais, comunhão é ato físico entre duas realidades concretas, e não entre duas manifestações intelectuais ou psíquicas. Não podemos comungar com o inexistente, o qual não está no meio de nós. Por isso, quando São Paulo fala da Comunhão do Corpo e Sangue de Cristo, quer dizer que Jesus se faz efetivamente presente na Eucaristia: “O cálice de bênção, que benzemos, não é a COMUNHÃO (ἀνάμνησις) DO SANGUE DE CRISTO? E o pão, que partimos, não é a COMUNHÃO (ἀνάμνησις) DO CORPO DE CRISTO”? (I Coríntios 10, 16). 

Por fim, também corroborando nossa argumentação, Jesus é tratado pelos apóstolos como o Cordeiro Pascal da Nova Aliança ou o Cordeiro de Deus (1 Coríntios 5,7 e 1 Jo 1, 29). Ora, na antiga aliança, o cordeiro pascal, figura simbólica que antecipou a vinda de Cristo, era comido pelo povo de Deus, após aspergirem suas casas com o sangue dele (Êxodo 12). Sendo Jesus a nossa páscoa, como disse São Paulo do 1 Coríntios 5,7, nós temos que comê-lo, o que fazemos por meio da Santa Eucaristia, onde Seu corpo torna-se verdadeiramente comida, e seu sangue, verdadeiramente bebida (Jo 6, 54-56).

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