Por @silverioalvesfilho

Sempre fui contra o modo como a operação Lava Jato politizou o processo penal. Pegou-se um mérito lícito e moralmente correto (combater a corrupção) e utilizou-se como pretexto para desrespeitar garantias indivuduais, com determinações midiátias e inconstitucionais. Dentre tantas, cito o conluio entre Ministério Público e Juiz, desrespeitando o princípio acusatório e prejudicando a ampla defesa.

Segundo o princípio acusatório, previsto na Constituição, a acusação cabe ao MP, a defesa aos advogados, o julgamento ao juiz. O juiz não pode pender para nenhum dos dois lados, sob pena de proferir um julgamento viciado. Na Lava Jato, não só pendeu como abraçou o MP.

Na época, meus amigos mais exaltados chamaram-me de “defensor de corruptos”, contra o que argumentei que, se não defendemos as garantias individuais de pessoas que não gostamos, como faríamos quando atentassem contra as nossas garantias? Mas não entenderam.

Agora, temos Alexandre de Moraes, que pegou um mérito lícito e moralmente correto (defender a democracia) e vem utilizando uma atuação desarrazoada, ferindo garantias individuais e normas de competência constitucionais.

Moraes não concede prazo razoável para os investigados se defenderem. Moraes aplica a mesma medida cautelar para um golpista que grita e para um golpista que toca fogo em carro. Moraes não intima o Ministério Público para participar do depoimento de Anderson Torres, embora a lei assim determine.

No caso de Morais, do ponto de vista estritamente processual, a situação é ainda pior do que a de Moro: aqui não há conluio, mas uma anulação do Ministério Público. Há Moraes e Moraes somente. O problema é que, sem acusação do MP, o que há é inquisição de um juiz.

Nessa situação, muitos dos que defendiam Sérgio Moro, criticam Moraes. Muitos dos que criticavam Sérgio Moro, defendem Morais. Se antes fui chamado pelos mais exaltados de defensor de corrupto, hoje sou chamado de defensor de golpista.

Tanto na época da Lava Jato quanto agora, a justificativa é algo do tipo: situações excepcionais demandam atuação excepcional. Longe de ser argumento, este é apenas um pretexto utilizado desde a antiguidade para justificar a tirania.

É preciso perceber que a defesa das garantias individuais e a defesa de um processo penal despolitizado, independentemente de quem sejam os investigados ou réus, são pressupostos da democracia. É isso, em última instância, que nos separa da ditadura, seja do fascismo, seja do proletariado, seja do judiciário.

A síntese, para mim, é representada no poema “Primeiro levaram os negros”, de Bertolt Brecht, com o qual encerro o artigo:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

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