Por Juliana Bezerra

Em 1949 os estivadores eram tidos como privilegiados, dadas as condições econômicas da época que lhes favorecia e ao fato de não terem patrões. O trabalho era fiscalizado pelo próprio sindicato dos estivadores, o que lhes conferia um certo status. Data desse ano a fundação do bloco “Comendo Coentro”, composto de um caminhão em que se instalaram vários instrumentos musicais, seguido dos estivadores, trajados finamente com o que de mais elegante existia: roupas de linho importado, chapéus “Panamá” e sapatos “Scamatchia”. A festa era regada a muita comida e bebida e os estivadores chegavam a alugar barracas para a farra carnavalesca. Com a política de arrocho salarial, numa verdadeira economia de pós-guerra, o Governo Federal interveio nos sindicatos, inclusive no sindicato dos estivadores, o que fez decair a renda dos sindicalizados. O “Comendo Coentro” não pôde sair às ruas devido à crise financeira que se abateu sobre os estivadores e porque eles não queriam desfilar em condições inferiores às do ano anterior.

Surgiu, então, a ideia de levar um “cordão”, ou bloco de carnaval. Arrecadaram dinheiro e foram às compras, adquirindo lençóis para serem utilizados na confecção dos trajes, barris de mate e couro, com os quais construíram os tambores utilizados no acompanhamento do cortejo. O nome do bloco, inspirado na vida do líder pacifista Mohandas Karamchand Gandhi, foi batizado com o nome “Filhos de Gandhy”. No segundo ano de desfile o bloco já contava com considerável número de participantes e admiradores. A partir de então foram sendo introduzidas as alegorias que representam os sentimentos de Mahatma Gandhi: a cabra – símbolo da vida e o camelo – símbolo da resistência.

Constituído exclusivamente por homens e inspirado nos princípios de não-violência e paz do ativista indiano Mahatma Gandhi, o bloco traz a tradição da religião de matriz africana, ritmada pelo agogô nos seus cânticos ijexá na língua ioruba. Utilizavam lençóis e toalhas brancos como fantasia para simbolizar as vestes indianas. Essa mesma “fantasia” contém, além do turbante e das vestimentas, um perfume de alfazema e colares azul e branco. Os colares já são conhecidos tradicionalmente por “colar dos filhos de Gandhy”, que são oferecidos para os admiradores como forma de desejar-lhes paz durante o carnaval e ao longo do ano. Dentre as regras do bloco, determinou-se que as mulheres apenas poderiam participar assistindo aos desfiles e na confecção das indumentárias e roupas dos filhos de Gandhy, além de levar comida e bebidas aos participantes do desfile durante o cortejo. O uso de bebida alcoólica também é proibido, por ir de encontro aos ideais de paz que inspiraram a criação do bloco.

Em 1951 o bloco foi transformado em afoxé, por terem sido introduzidas músicas afros e o Camdomblé como orientação religiosa.

Afoxé: também chamado de candomblé de rua, é um cortejo de rua que sai durante o carnaval. Trata-se de uma manifestação afro-brasileira com raízes no povo iorubá. Geralmente, seus integrantes são vinculados a um terreiro de Candomblé ou de Umbanda. Há um consenso entre os pesquisadores de que o afoxé tem origem na Bahia.

Em 1974 o Afoxé Filhos de Gandhy fechou por questões administrativo-financeiras. O bloco foi despejado de sua sede e todas as suas alegórias foram jogadas na rua. Durante dois anos o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.

Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas o bloco voltou a desfilar. Com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas no ano de 1976 desfilando com cerca de 80 homens. O número de participantes foi crescendo consideravelmente, chegando a mil associados em 1978, devido à entrada de não-estivadores no bloco, chegando a 14 mil em 1999, ano do cinquentenário do bloco.

Juliana Bezerra
Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

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