General Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro, durante entrevista concedida à imprensa em hotel em Manaus

Candidatos com chances crescentes de chegar ao segundo turno procuram, em geral, maneiras de se tornar aceitáveis para o máximo de eleitores de seus concorrentes. A vantagem básica do sistema de duas votações está, justamente, em incentivar a conciliação com a maioria dos representados.

A campanha presidencial de Jair Bolsonaro parece inclinada a desafiar essa lógica singela.

postulante do minúsculo PSL apresenta solidez nas pesquisas de intenção de voto no primeiro turno, em particular nas realizadas após o execrável ataque a faca de que foi vítima. Ao mesmo tempo, sua taxa de rejeição permanece a mais alta da disputa —e nem ele nem seus aliados demonstram empenho em reduzi-la.

Ao contrário, persistem acusações irresponsáveis, demonização de adversários e, pior, sinais alarmantes de desapreço por regras do jogo democrático.

Mostrou-se especialmente desastrado o protagonismo assumido pelo candidato a vice na chapa, o general da reserva Hamilton Mourão(PRTB). Já no dia da facada, 6 de setembro, divulgou nota em que culpava, com leviandade inaceitável, “um militante do Partido dos Trabalhadores” pelo atentado.

Em entrevista, divagou a respeito de hipóteses em que um presidente poderia aplicar um autogolpe; depois, defendeu um novo texto constitucional, não necessariamente elaborado por parlamentares sufragados pela população.

Ainda no leito do hospital, o próprio Bolsonaro deu sua contribuição para a sequência de despautérios. Ele gravou vídeo no qual, entre lágrimas, agradecimentos e diatribes eleitorais, retoma suas teses conspiratórias a respeito de fraudes nas urnas eletrônicas.

Não se trata aqui de mera crendice amalucada —de “gente que acredita em saci-pererê”, nas palavras do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Tal pregação, reproduzida por parcelas barulhentas de seus apoiadores, alimenta a paranoia, semeia a descrença no processo democrático e, de mais imediato, abre caminho para que não se aceite um resultado desfavorável no pleito.

Implica ainda desacreditar as pesquisas de intenção de voto, que o colocam na liderança, mas com probabilidade considerável de derrota num segundo turno. No Datafolha, Bolsonaro tem 26% das preferências e 44% de rejeição.

A campanha, decerto, busca evitar a dispersão de seu eleitorado quando repele os números e fala em vitória até mesmo na primeira rodada de voto. Sua estratégia perigosa, porém, não pode ser tomada como arma eleitoral corriqueira.

Uma plataforma conservadora, na política, na economia ou nos costumes, é legítima e perfeitamente compatível com a democracia. A intolerância ideológica e o questionamento da lisura das instituições, nem tanto.

EDITORIAL FOLHA SP

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